Após saírem todos, a
equipe que o trouxe e os ajudantes de última hora, ela foi até o quarto e se sentou
ao lado da cama pousando seu olhar naquela figura patética: um homem em coma,
de olhos abertos e que, aparentemente, não conseguia se comunicar. Às vezes
emitia uns gemidos baixos, misturados com um pigarro e tosse, soltando catarro.
Uma coisa era certa: não fedia como antes. Estava cheirando à urina, e o cheiro
de suor era devido a todo trajeto naquela ambulância quente. “Talvez ele até
tivesse ficado nervoso, sabe lá.” – comentou consigo mesma.
Preparou, ao lado do
leito, um banho quente com balde, bacia e sabonete perfumado.Limpou o homem, deixou
novo em folha e percebeu que se cansava mais fazendo isso que limpando duas ou
três casas onde estava acostumada a trabalhar. Mas a vida era assim mesmo. O
fardo, contudo, parecia menos pesado. A cruz parecia menor e mais leve.
Acabaram as brigas, as raivas. Já não tinha que suportar aquele sujeito bêbado
e cheirando mal sobre ela, tratando-a como um animal.
A nova rotina foi se
estabelecendo e após algumas semanas ela tinha tudo acertado. Uma senhora da
vizinhança ficaria com ele três vezes por semana, enquanto ela fosse fazer suas
faxinas e ganhar seu dinheiro. Isto somado ao benefício do marido inválido e
parte do salário do filho bastaria para que tivesse uma vida tranquila e sem
surpresas. Daria o banho nele na hora em que chegasse, no fim da tarde. A
comida estaria pronta de véspera. Bastava mantê-lo limpo e alimentado. Até
Deivid parecia outro moço. Mais calmo e tolerante com a mãe, cooperando no que
ela pedisse.
Paulo Afonso tinha vindo
do hospital com uma ferida se formando nas costas, um pouco abaixo dos rins,
porque permanecia muito tempo deitado de costas. Ela ia, habilmente, mudando
sua posição e fazendo curativos com a pomada receitada pelo médico que o havia
visitado, até que ela desapareceu.
Ele agora vivia perfumado,
arrancando elogios de quem o visitasse, mas que na verdade eram dirigidos à
bela mulher que dele cuidava. Seu aspecto melhorou bastante, tornando-se corado
e, apesar da paralisia que o acometera, a nova dieta trouxera seu físico muito
próximo do que foi um dia. As unhas perfeitamente cortadas e o cabelo
impecável.
Um dia, enquanto o
banhava, percebeu, e não teria como evitar, que o marido estava tendo uma
ereção. Começou a rir e, conforme ria, aquilo ia ficando maior, mais duro, e o
homem gemia baixinho. Continuou lavando, meio que ignorando o fato, pois
precisava terminar de lavar justamente ali. Lavou, esfregou, enxaguou, esfregou
de novo até que ele ejaculou e, com um gemido alto, agudo, os braços
paralisados paralelamente ao corpo esboçaram um balançar débil, cíclico e foram
acalmando, até que ele dormiu. Ainda abriu rapidamente os olhos, quando ela
precisou enxugá-lo e cobrir seu corpo cansado.
Ela foi ao banheiro e
constatou toda a sua excitação: suada, cheirando a prazer, louca para ter um
orgasmo, como há uns trinta anos não tinha. Entrou sob a água gelada do
chuveiro e ficou até que sentisse seu coração calmo e o calor dissipado. Ficou
chocada com aquele fato inusitado, desconcertante, febril. Foi para o quarto
envolvida na toalha e, ao soltá-la no chão e abrir a porta do guarda-roupas,
parou para se deixar admirar o próprio corpo. De início tímida, depois foi se
soltando e descobriu o que escondia com as mãos. Meio virada de costas,
observou suas curvas e a falta de celulite. Seus seios ainda rijos, os longos
cabelos negros caindo pelas costas.
Achou incrível aquela
reação de Paulo Afonso. Ele já não era mais aquele homem de pouco tempo atrás e
muito menos aquele que conhecera, quando ainda era menina. Era como se fosse um
terceiro, diferente dos outros dois, quieto, apartado do mundo, somente olhando
para o teto, ou então para um ponto fixo na parede, quando era colocado sentado
na sala, ajudada pelo filho, mais parecendo um vegetal, com vida, mas sem
comunicação.
Entretanto, constatou
naquele dia que algo no homem estava vivo, viril, potente. E só dela. “Só
meu...” – já na cozinha, ainda meio atônita com tantos sentimentos ambíguos e
incertos, procurando de toda maneira alguma coisa que a proibisse, que a
censurasse. Mas nada encontrou. Foi até a porta do quarto e ficou olhando para
ele que dormia profundamente sob o lençol somente, a respiração profunda e
compassada. Ali então começou vasculhar a memória para encontrar algum
sentimento que a fizesse enojar-se dele novamente, como fizera durante tantos
anos, contudo também lhe foi impossível.
Ainda cedo terminou o
almoço, fez uma sopa forte para Paulo Afonso, com carne, abóbora, macaxeira e
inhame, que ela também apreciava, e a seguir foi arrumar a casa.
O dia passava lento e sua
cabeça não parava de pensar, enquanto seu corpo sentia tremores e calores, seu
pensamento disperso, sem conseguir atinar o raciocínio. Teve vontade de correr
à igreja e se confessar. Fez menção de pegar o terço e iniciar uma reza, porém
não o fez. O que fez sim foi pegar o balde e começar a enchê-lo com a água
quente do chuveiro e, até que enchesse, preparou a toalha, sabonete e creme
hidratante. Levou ao quarto e o percebeu acordado. Num dia de surpresas, um
terno e suave beijo na testa do marido era uma das menores.
Assim que retornou com a
água do banho e lhe tirou o lençol, lá estava ele, Paulo Afonso em toda a sua
força e natureza. Foi tirando sua própria roupa, vagarosamente, enquanto se
lembrava de como ficava quando Mazinho a perseguia gritando e quase a tocando
por trás. Uma sensação tão excitante como a de agora, que não conseguia
comparar a nenhuma outra que tivesse sentido, enquanto estivera à mercê deste
que estava ali na cama, no entanto tão diferente do que fora.
Gemia ele baixinho. Quanto
mais rijo, mais prolongados ficavam seus gemidos, dando-lhe a sensação de que o
homem gozava sem parar, num idílio sem fim.
Suando e com as mãos
trêmulas, aproximou-se dele e foi tocando todas as partes do seu corpo com uma
liberdade jamais sentida. Passava primeiro as pontas dos dedos e depois as mãos
espalmadas em cada centímetro daquele corpo que, de certa forma, parecia mais
vivo que nunca, pulsando, com pequenos tremores e espasmos descompassados.
Percorreu tudo, sem deixar um único local sem ser tocado. Só então viu que
conhecia pouco daquele corpo que dormia a seu lado há tanto tempo depois de
praticamente forçá-la a se sentir uma escrava sem o menor direito ao prazer.
Mas não conseguia ter raiva. Pensou ainda em como ele deveria se comportar com
as outras, se as maltratava como a ela.
Vagarosamente foi montando
sobre seu marido, cada vez mais excitada, percebendo que os olhos dele se
arregalavam e ele gemia mais grosso.
Quando o colocou dentro de
si, sentiu uma coisa tão forte que soltou um grito e depois silenciou, arfando,
suando, esperando que algum vizinho viesse saber o que estava acontecendo.
Contudo, nada disso aconteceu, e Paulo Afonso continuava ali, mais homem que
nunca, e isto a deixou mais e mais excitada, conseguindo esquecidos e
abandonados orgasmos por tantas vezes que perdeu as contas. Quando terminou,
estava entregue, e seu homem lavado em suor, com o rosto vermelho e a boca
tesa. Notou um fio de lágrimas nos cantos dos seus olhos.
Sem dizer palavra,
levantou-se e foi para o banheiro, depois de abrir a janela do quarto que
abrigava um cheiro forte. Tomou outro banho e desta vez mais demorado, e um
sorriso tomou-lhe os lábios e não queria devolvê-los. Tanto que seu filho
zombou quando chegou do trabalho:
- Ué, mãe, que foi? –
perguntou com uma feição entre zombeteiro e desconfiado. – Viu o passarinho
verde, é?
- Você me respeite, seu
menino atrevido! Tem barba na cara, mas se precisar te dou umas palmadas! – em
tom severo, porém nem tanto.
- Relaxa, mãe, que só
estou perguntando!
Teve uma noite de sono
agitado, alternando entre estados de arrependimento e prazer. Pensava estar
cometendo pecado, mas como poderia? Tantas vezes tinha se confessado, tantas
penitências tinha cumprido, e o padre jurara-lhe que estava perdoada e que
bastava a eles se casarem para que tudo fosse esquecido. Entretanto, seu marido
era um sujeito rude e dava pouca importância a estas futilidades, tendo evitado
a igreja como o diabo à cruz. Ainda assim, o pároco garantira-lhe que tendo
feito sua parte, aos olhos de Deus ela não estaria mais em pecado e que rezasse
para um dia conseguir a bênção divina.
No meio da madrugada,
cheia de medo e excitação, levantou-se da cama de solteiro do seu filho, que
havia colocado ao lado da cama hospitalar onde estava o marido, pegou a mão
dele, que imediatamente respondeu com o som que ela já conhecia. Ficou se
divertindo com ele até o dia amanhecer e, quando seu filho se levantou para ir
ao trabalho, ela estava saindo do banheiro, cheirando a sabonete e lavanda.
Desconfiado, perguntou o
que acontecia.
- Tome tento, menino. Tua
mãe não pode tomar um banho na própria casa? Tome aí seu café que você vai se
atrasar. – nem deu bola a ele, voltou para a cama e acordou tarde.
E outra surpresa grande:
pegou o aparelho de som do filho e se pôs a procurar uma emissora de que
gostasse e deixou numa em que estava tocando as músicas de sua terra.
Pouco tempo depois, as
pessoas que a conheciam mal podiam acreditar no que viam. Santa tornou-se uma
mulher mais comunicativa, sem excessos, mas conversando com vizinhos, no
mercado, na igreja. Passou a usar roupas mais coloridas, nada vulgar, sua casa
parecia mais alegre depois da pintura nova, o que não era feito desde que
mudara para lá.
Seu filho ficou enciumado
no início, achando e externando a ela num momento mais exaltado que ela deveria
estar com outra pessoa, mas tudo passou, ficou para trás. Ele agora iria se
casar, e sua noiva era uma pessoa muito boa e carinhosa com ele. Sua filha
retornara a São Paulo depois de um tempo longe, mas agora estava ali perto
novamente e com dois netos para lhes encherem a casa de barulho e alegria.
Com a pensão que recebia
por causa da doença de Paulo Afonso, mais o que recebia por fazer faxina nas casas
de suas freguesas de tantos anos, levava uma vida farta, com tudo de que
precisava.
Cuidava do marido acamado com
tanto amor e desvelo, que emocionava todos ao seu redor, pois sempre estava
limpo, cheirando bem, de barba feita e cabelo penteado. Sentia-se uma mulher
feliz e realizada.
- Incrível! Desse jeito
esse homem vai chegar aos cem anos fácil. Eu posso mandar umas famílias aqui
para aprenderem com a senhora como se cuida de um acamado? – brincava o Doutor
Joaquim, sempre que passava em visita a cada dois ou três meses.
Ela era feliz sim! Demais.
Todos esses elogios, esse reconhecimento, ainda por cima tinha a total posse
daquele corpo de macho que era só seu e de mais ninguém. Deus ouvira as suas
preces. Também pudera, depois de tanta reza, promessas e penitências, a
retribuição veio do céu. Amém!
Amanhã eu postarei o epílogo. Até lá!
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