Não sei exatamente qual a
sensação que tive, mas preciso compartilhar.
Os Jardins, talvez a região
mais charmosa de São Paulo, dos restaurantes mais badalados, os imóveis mais
valorizados, gente bonita, supermercado chique, alfaiate chique, tudo chique.
As mulheres são lindas, bem
arrumadas; as mais maduras, digo, bem mais maduras com seus cabelos armados e
brincos que ficariam grandes até nas orelhas de Buda, anéis com pedras dignas
de serem levadas por eunucos em almofadas de veludo.
Os homens, paulistanos típicos
da mais elevada estirpe, orgulhosos de terem seu ponto para uma cerveja nas
esquinas mais ricas e nobres da capital. Usando camisas polo de marca, relógios
caríssimos, o carro importado em alguma garagem próxima ou em algum local não
permitido para a ralé, com alguma placa inconveniente no poste, proibindo
estacionar. Olhar confiante e o aparelho nasal voltado para o céu.
Civilizado, este tipo de
paulistano leva seus cães para passear portando saquinhos plásticos para o cocô
necessário – melhor na rua do que em casa, claro – em coleiras ornadas e
casaquinhos charmosos. Desconsidere as perpétuas manchas e o cheirinho típico
do xixi nas calçadas. Creio até que pode existir pouco mais de metro quarado m
que não haja urina canina, em todo o bairro.
Por ter muitas árvores,
sabiás-laranjeira entoam seu canto logo nas primeiras horas da manhã, dando ao
local uma atmosfera única. Alguns se incomodam: sabiás madrugadores deveriam ir
para a Serra da Cantareira.
A polícia está presente mais
que em qualquer outro lugar, exceto o quartel talvez. Claro que ocorre um roubo
aqui, um assalto ali, mas é a melhor estatística da capital.
Diz-se que uma considerável
parte do PIB brasileiro está morando ali, as mais finas grifes. A verdadeira
tradução do bom gosto paulistano. E, como que dando uma cancha, vários
movimentos culturais, pontos descolados, ótimos hospitais. Os melhores hotéis,
grandes livrarias, a Avenida Paulista.
Paira no ar um humilde
sentimento de centro do mundo, afinal.
E com toda esta nobreza, numa
bela e quente tarde de novembro – um recorde de calor para os últimos anos –
por volta de três da tarde, com aquele movimento que parece de uma entressafra,
como que meando a hora do almoço e jantar, um terrível cheiro começa a se
espalhar numa badalada esquina. Cheiro de fezes muito forte. Não aquele nosso
conhecido do Tietê ou do Pinheiros, que fica insuportável após dias sem chover.
Muito pior. Cheiro de merda pura, fresca e abundante.
Pessoas começaram trocando
aqueles olhares do tipo quem-foi-pelo-amor-de-Deus, mas o fato é que por ser
tão intenso e estar inundando a região, ficou a perplexidade e uma careta
geral.
Num determinado momento, como
se não bastasse à situação constrangedora, uma tampa de esgoto que fica no meio
do cruzamento foi levantada por um fluxo de água marrom, tornando o ar tão
intragável que parecia estar sólido e aquela sujeira toda brotando com
intensidade tal que foi se espalhando para todos os lados, saindo com força
suficiente para formar um jato de quase meio metro de altura.
Aquela substância meio pastosa,
saindo como a lava de um vulcão, das profundezas, constante, maligna,
arrastando-se para todos os lados como uma ameba que cresce rapidamente. Num
determinado instante torna-se liquida, escorrendo pelo meio fio de três vertentes
do cruzamento.
Um horror olfativo. Creio que
nem um inglês, no auge da revolução industrial, sentiu ao lado do Tâmisa o que
se sentiria ali.
Uma personagem frequentadora da
fina padaria, do mercadinho dos ricos, das finas boutiques de senhoras,
indignou-se, não sem passar muito mal, e foi auxiliada a sentar numa das
cadeiras do bar da esquina, uma cadeira singela, de boteco, mas não menos útil
no momento.
O balconista, educado e
solícito, tentou pegá-la pelo braço para ajuda-la, mas foi discretamente rechaçado,
fazendo ela uma cara de nojo, que já não se saberia se do cheiro ou das mãos
gentis do rapaz, aquelas mãos de pobre.
Abanava-se com um leque de
madrepérola, sem perceber que, ao faze-lo aumentava a intensidade do cheiro –
mais moléculas em menos tempo a estimular os sensores da mucosa nasal.
Mas
que horror é este, o senhor pode me dizer – perguntou a nobre velhinha ao não menos assustado
e rechaçado balconista.
Sei
não, senhora, mas olhe que isso aí é merda todinha daqui, fabricação de vocês,
com certeza! -
e retornou rapidamente para o seu local de trabalho.
À noitinha o cheiro ainda era
insuportável, apesar dos vários caminhões pipa lavando as ruas atingidas.
O cheiro, ainda que menos intenso,
durou mais uns dois dias, lembrando impiedosamente a todos que somos iguais. E
como.
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