Seis da tarde, ar
abafado, fumaça de caminhões e ônibus colonizando a pista. O ponto não está
muito cheio. Três garotos com roupas muito iguais: bermudões largos, parecendo
pendurados por milagre na cintura, camisetas não menos largas e tênis grandes e
desamarrados. O celular de um deles tocando um rap rasgado e eles curtindo. Têm
pulseiras e correntes nos pescoços, prateadas e grossas.
Duas mulheres
conversam e dão risadas, balançam os corpos de tanto rir. Falam coisas
engraçadas, fazem troça de si mesmas, falam da fulana que tem as pernas toras
como alicates e se acha linda. Uma fala da dureza de andar de moto com o
marido. Aquela moto pequena, barulhenta e velha, atrapalhando o trânsito e o
capacete dela grande, que fica sambando na cabeça enquanto a moto vai
chacoalhando pelo caminho.
Eu, possesso. Não me
conformo com o fato de ter saído de casa sem minha carteira. Ainda mais que
peguei uma carona até aqui e estou a uns vinte quilômetros de casa. E com
aquela cara sem graça, tive que ligar e pedir para alguém me trazê-la até onde
estou. Voltar é impossível. Alguém tem que vir até aqui para me buscar ou me
trazer a carteira. Não tenho um tostão no bolso para voltar.
Elas continuam ali,
se matando de rir e não estão bêbadas. Agora corre solta outra fofoca. O marido
da outra, que não é o da moto, tem uma amante. O safado. Mas ela, a lambisgoia,
é zarolha e manca. Aí elas voltam a se matar de rir. Ele, o marido, é
alcoólatra – pelo que entendo de um sujeito que bebe todo santo dia, de cair –
dorme uns dias em casa e noutros na casa da amante e deixa lá todo seu salário.
Mas elas morrem de rir com o jeito da amante andar e dos seus olhos vesgos.
Um ônibus chega e os
garotos vão nele. Descem uma senhora bem velhinha e um rapaz. Este espera quase
dez minutos para atravessar a rodovia, que é exatamente onde estou. Numa
rodovia, do lado contrário a uma favela, que sobe o morro até seu cume. Quando
ele finalmente atravessa, correndo risco de ser atropelado, a velhinha vai
longe pelo acostamento até entrar por uma viela e desaparecer.
Outros coletivos vão
parando e pessoas descem, até que num deles uma das mulheres sobe, se
despedindo da que ficou, e minutos depois chega um carro e dele desce outra
senhora idosa. Apeou com umas cinco sacolas de supermercado e foi recebida com
festa por aquela que ficou no ponto. Elas conversam alegremente e vão se
afastando pelo acostamento.
A noite vem chegando
sem pedir licença e o movimento fica mais intenso do outro lado, que vai para a
cidade. Do meu lado aqui, só a carona me interessa.
A senhora retornou e
ainda não fui embora. Chegou se sentando e falando boa noite. Ela é uma
simpatia. Parece ser uma mulher ativa e me admiro quando ela me diz que tem
mais de setenta anos. Recebe uma pensão de seiscentos reais do governo por
fazer hemodiálise – ela tem diabete – e como o dinheiro é pouco, ela faz uns
bicos como diarista. Setenta e três anos.
Diz que tem umas
dores que atrapalham um pouco e que fica “meio cansada” – ela fala exatamente
isto – quando vai fazer as hemodiálises três vezes por semana. Levanta da cama as
quatro e a perua da prefeitura passa entre quatro e quatro e quarenta e cinco
da manhã e retorna lá pelas sete da noite, pois tem mais gente que vai junto e
até deixar todo mundo em casa já é tarde.
Nos outros dois dias
que sobram ela faz bico como diarista. Arruma a casa e lava roupa. Não gosta de
passar.
E agora ela veio
trazer umas comprinhas para a filha, porque ela está desempregada e tem uma
filha de quatorze anos que não ajuda e o marido é um bêbado safado que até
amante tem e não põe um tostão em casa. Mas tudo bem, porque ela fica feliz em
poder ajudar a filha. Uma pessoa tão boa, ela diz com admiração.
Quando minha carona
chega entro no carro pensativo, tentando saber como é que se pode medir a
felicidade.
É difícil mesmo medirmos a felicidade... Talvez cada um tenha sua ideia própria de felicidade. Gostei do texto, parabéns. lady viana
ResponderExcluirGrato pelo comentário, Lady.
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