“Ai, ai... Agora eu consigo. Ela não me viu sair e agora eu vou
conseguir. Eu tenho só que chegar ali no corredor e descer a escada. Na horinha
em que eu conseguir isto, mais uns dois ou três passos, chego à bicicleta e
pronto! Lá vou eu. Tá certo que ela me pôs de castigo tudo bem, foi injusto,
mas ela me pôs. E ela ganha sempre, porque na maioria das vezes eu não consigo
fugir, mas quando eu consigo é bom demais. Pedalo, pedalo, pedalo, sem parar.
Consigo sair daqui rápido e em poucos minutinhos já estou lá no Largo da
Matriz, dando a volta na praça e dando adeus pra todo mundo. Depois eu pego a
Rua Direita e vou embora, sempre reto e quando chego à rua do cemitério,
alegria! A rua é de terra e lá vou eu despencando morro abaixo. Com tudo! Só
que primeiro eu tenho que me livrar dela, que fica tomando conta de mim o dia
inteiro e não me deixa passear. Tá bom, tá bom! Eu tenho que comer, tomar
banho, essas coisas chatas, mas me deixa passear, pelo amor de Deus! Nossa! A
empregada quase me viu! Tá limpando a sala
e quase me viu. Essa foi por pouco! Quase me pegou, mas eu fui mais esperto! Se
fui! Poxa! É só uma voltinha, caramba! E hoje é feriado e não tem lição de
casa. Aquelas coisas chatas que a professora dá e tenho que ficar fazendo um
tempão. Pronto1 olha a bicicleta aqui! Agora é conseguir chegar no portão. Ai,
meu Deus, vai logo, vai logo. Consegui! Consegui! Calma, pessoal! Volto logo,
tá?”
- Lourdes! Lourdes! Ai, Jesus, onde está essa enfermeira? Assim
eu não termino este serviço nunca... – exclamou a faxineira.
- Fale, Maria! O que foi? – pergunta a voz feminina do andar
superior.
- O velhinho escapou do quarto de novo antes de você dar banho
e tá ai na bicicleta de ginástica! Acho que ele tá cagado...
- Ô inferno, esse velho não dá sossego mesmo. Logo hoje que é
feriado e as visitas vão começar a chegar – resmungou enquanto ela e mais duas
banhavam um paciente no leito – o dia vai ser cheio.
E suas parceiras anuíram.
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