A gente quando é criança guarda
coisas que assumem imagens, formas, sons que ficam, às vezes, impregnados para
sempre, recorrendo aqui e ali sem maiores motivos, mas com intensidade de coisa
real e acontecida.
Ainda garoto, minha avó me
contava uma história — eu
sempre pedia que ela me contasse de novo — de
um irmão que ela perdera ainda criança, vítima de tétano.
O garoto estava doente fazia
dias, cada vez pior, apenas aguardando que os anjinhos do céu lhe viessem
buscar e a tristeza rondava a casa do sítio onde moravam.
Faço conta que até a fumaça do
fogão a lenha saía da chaminé com má vontade. Um garoto de dez anos, com a
idade que eu próprio tinha quando ouvi pela primeira vez este caso, com uma
doença que o levaria à morte, faria tudo em volta ficar triste. Imagino a bisa
chorando, inconformada com a sina de perder um filho tão jovem, o nono amuado,
consolando os outros filhos, acolhendo o apoio dos vizinhos de bom grado.
Uma doença severa e letal, que
acomete sua vítima com dores terríveis causadas por contrações musculares
involuntárias, às vezes tão fortes que fazem fraturar ossos do corpo somente
por sua força.
Ela contava que ele adorava
melancia, e num dos poucos momentos em que conseguira falar, revelara a mãe
este último desejo.
Sabendo disto, um tio e um irmão
mais velho selaram as montarias e saíram em busca da fruta, enquanto quem
ficara, rezava para que o pequeno conseguisse ter seu desejo realizado.
Dois dias se passaram com a
febre e as crises de dor torturando o menino até que finalmente eles retornaram
com a fruta no embornal, após vasculharem todas as roças da região, já que não
era o tempo dela ainda.
Toda vez que me contava, ela se
emocionava com o retorno dos homens com a fruta, como se fossem heróis. Os que
realizaram o ultimo desejo, algo assim.
Mais que depressa a nona pegou a
pequena melancia, uma pequena e desbotada fruta temporã, que por obra de Deus
estava lá num canto da grota esperando ser encontrada, partiu-a e colocou seus
pedaços num pano limpo e a espremeu, fazendo um suco.
Com paciência de mãe, a nona foi
dando o suco às colheradas ao garoto enfermo que, apesar da gravidade da
doença, dos espasmos terríveis, tomou o suficiente para saciar a vontade e
acalmar seu espírito.
As dores e o sofrimento o
deixaram no fim da tarde. Morreu em paz, sem vontade de melancia.
❤❤❤ Que lindo esse texto!
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