A hora mais gostosa do dia, esperava-a
como alguém que morre de sede aguardando lhe trazerem um copo d’água, quase
delirando com a sensação que na língua provoca ao inundar a boca.
Quando ouvia Lola vindo pelo corredor, já
sabia que era a hora do parque, porque ela usava aquele sapato de meio salto,
que fazia um barulho singular no piso de madeira – seco e agudo – e na
velocidade de alguém que tem pouco a fazer antes de sair para a rua.
Essa hora tinha um significado especial,
pois há algum tempo conhecera aquela que conquistara seu coração de um jeito
arrebatador. Não havia outra palavra para descrever o que sentira quando ela
entrou no seu campo de visão naquela manhã de uma primavera em algum lugar ali
atrás, se voltasse o relógio, não seriam tantas voltas assim, talvez.
Ela chegou sem chamar a atenção de
ninguém, a não ser a sua. Foi como se tivesse um tubo e na sua extremidade ela
tivesse posado, sumindo todo o resto. Talvez porque sua aura o tivesse
hipnotizado, seu sorriso e seus cabelos ornando com o perfume que exalava das
arvores repletas de flores e os pássaros se agitavam no calor suave daquela
hora. Raios de sol atravessavam as copas e atingiam em pontos cintilantes,
contudo não intensos o bastante para alterar lhe a suave pele do seu rosto.
Por mais algumas vezes, muitas, quem
sabe, esteve ali imaginando como poderia chegar e lhe dizer ao menos bom dia.
Mas com que argumento? O que faria se ela correspondesse? O que mais falaria?
Como continuaria? E, pior, se ela continuasse a conversa.
Aquele quadro não lhe saía mais do
pensamento e do coração, sobressaltando-o. com que poderia se aconselhar, obter
ajuda?
Numa manhã destas ele teve a certeza de
que ela já sabia da sua existência, pois quando ela chegou, ele a flagrou
procurando alguém, com discreta apreensão, até que, ao encontra-lo cessou a
busca, abaixando os olhos e, apesar da distância, notou-lhe a pequena inflexão
labial, denunciando um sorriso. Seu coração parou, a face pegou fogo e ele
achou que precisasse se atirar debaixo da torneira do jardim para sua
humilhante vermelhidão desaparecer.
E deve ter feito algum movimento ou
alguma cara de bobo, pois ela sorriu mais intensamente e saiu atrás das
crianças com quem sempre estava, não deixando de lhe mandar uma olhada de
canto.
Os domingos ficaram sem graça,
enfadonhos, parecendo se recusarem a terminar, ou antes, recusavam escurecer,
para trazer pelo menos um alento de véspera: segunda era dia de parque.
Desistira dos domingos desde que
concluíra que ela não ia à igreja. Nas missas, não encontrara a sua amada.
Chegava a doer o peito de saudade, seguida de uma vontade louca de se jogar na
cama e lá ficar encolhido, como um filhote se recusa a deixar seu ninho,
ensimesmado de solidão e autopiedade.
Os sábados nem tanto. Ele a encontrara
duas vezes, então ali brotou a esperança. A ressalva ficou por conta do menor
movimento na praça. Ele ficava mais exposto, sem gente para se sentir diluído,
mais difícil de ser notado, talvez.
E a timidez também encontrava no público
um refugio logico, sem apelos. Nunca ele a abordaria perante tanta gente, pois
não queira constrange-la. Belo estandarte. Que escamoteava o medo de um
deslavado dito na cara sem piedade. Chegava a ficar sem ar ao pensar nesta
cena.
Antecipava todas as situações. Negativas,
desprezos, humilhações. Ainda que, no final de tanto sofrimento, pensasse
naquele sorriso meigo e nas suas maneiras tão dóceis transitando pelo parque
com as crianças, caindo sobre ele uma fraca luz de razão.
Assim, os sábados não tinham a felicidade
que tinham os outros dias, de segunda a sexta-feira, pelo contrario, traziam
uma indisfarçável ameaça de que seu sonho virasse fumaça. O sonho não era algo
bem definido, mas a ameaça era real. Seu sonho, qualquer que fosse, poderia
virar poeira.
Bastaria que ela se aproximasse: bom dia!
- ela diria. E ele, o que diria,
perguntava-se.
Os dias passavam lentos à tarde e à
noite. As manhãs, no entanto eram muito rápidas, pareciam durar um minuto. Do
café ao almoço o tempo voava, como um trem rápido, que se movia numa velocidade
tal que as paisagens tornavam-se uma única faixa verde desenhada na janela a
qual observava, uma coisa borrada e contínua.
Percebia a velocidade atordoante do tempo
quando ela se movimentava com jeito de quem está indo embora.
Sua imobilidade, contudo, parecia
finalmente estar dando algum resultado: ela não vinha olhando com aquele adeus
embutido nos olhos. Parecia deliberada sua atitude. Parecia aborrecida.
Mas por que isto? – indagou para si,
inconformado. Só faço amá-la perdidamente, observando cada movimento seu. Já
sei o que vai fazer, antes mesmo que comece; decorei sua forma de se vestir;
sei que às segundas e quartas ela gosta mais de vestir cores claras e nas
terças e quintas ela se veste com cores mais vivas. Às sextas ela se veste de
branco. Quando chove ela não vem – aliás, ninguém vem, só eu e a Lola.
Depois deste dia ela desapareceu
completamente por duas semanas.
Ele quase morreu de tédio. Fez promessas
para que ela voltasse, chegando a cometer o quase desatino de negociar com Deus
a possibilidade dele mesmo chegar nela e declarar seu amor, caso ela voltasse,
ainda que, no meio desta negociação, ouvisse uma voz mais interior, aquela de
todo dia, lhe dizer para não prometer tanto, porque jamais deveria descumprir
um trato feito com ele, Deus.
Que se dane – como se batesse o martelo –
dou um jeito. Mas ela tem que aparecer!
O fim de semana foi mais que aborrecido.
Ao tédio habitual se juntou uma emoção diferente de querer que a semana não
começasse, pois, lá no fundo sabia que ela poderia voltar. E destoando do tom
de sempre, procurou coisas para se distrair dos rápidos movimentos do relógio
da sala. Ainda assim o tempo voou e, de repente tudo escuro e ele na cama,
pensando na segunda.
Dormiu tarde, sem conseguir parar o
tempo. Sonhos lhe acordaram durante a noite. Ela chegava sorrindo docemente,
fazendo sinais e mandando beijos. Em outro, com a feição de raiva estampada
acintosamente, vinha até ele e ficava encarando como que a desafiar. No último,
ela o afogava. Com a mão na sua cabeça, o afundava na água e sem reação ele só
fazia ficar surpreso, o ar faltando, cada vez mais, e ele surpreso. Até que
aquele desespero do ar que não entra de modo algum o acordou.
Ainda de madrugada, ele identificou que
já ia amanhecer: o sabiá cantava espantando o escuro e pondo para dormir as
criaturas da noite e para correr os sonhos maus. Quase os percebeu saindo pelo
corredor, em disparada, os sonhos.
E fechou os olhos de prazer, enquanto o
pássaro estourava os peitos com sua canção.
O café da manhã também foi mais
aborrecido. Não tinha como recusar a saída com Lola. Não tinha como argumentar.
Ela mandava na situação. O que tinha para fazer era capitular e deixar-se levar
ao parque.
A noite de temor não foi em vão,
descobriu logo.
Na hora de sempre, com aquele sol
maravilhoso ela chegou ao centro do parque, onde as arvores se abriam num
clarão quase natural, deixando um espaço aberto e gramado para o lazer.
Margaridas bem cuidadas rodeavam o gramado formando como que uma coroa no seu
entorno.
Ao sair da sombra, a primeira coisa que
ela fez foi olhar para ele, e com um olhar decidido veio em sua direção,
atravessando o espaço numa linha reta.
Ele foi perdendo o jeito, sentindo o
pânico crescer como se fosse água inundando uma casa em dia de tempestade. No
fim, só pôde apertar as mãos e esperar.
À medida em que foi se aproximando, um
sorriso foi aparecendo em seus lábios e seu olhar parecia mais amigável. Seus
passos, daquela marcha decidida como a de um soldado partindo para a luta, foi
virando um andar tranquilo, de quem passeia no parque.
Chegou diante dele segurando o lenço que
envolvia parte de seus cabelos, mas que, como se desprenderam com a brisa
súbita, ele o balançava com charme contido.
Fitou o homem durante um tempo, ao que,
perguntou:
- Como será o seu nome?
- Alfredo – respondeu Lola, com alguma
frieza.
- Ele fica assim o tempo todo?
- Vinte e quatro horas por dia, minha
filha. Porque?
- É que às vezes eu acho que ele conversa
comigo, não sei.
- Bom, eu acho que ele conversaria muito,
mesmo... Está assim faz um tempo já.
- Estranho. Ele nem mexe os olhos. Será
que ele ao menos entende o que a gente fala? – neste momento ela estava frente
a frente com um homem de olhar vago, sentado numa cadeira de rodas, parecendo
perdido no horizonte de lugar nenhum.
- Se ao menos ela soubesse que fiz uma
poesia... minha bela flor.
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