As tantas horas que passara ali, talvez
lhe tivessem dado a experiência para saber quem vinha pelo corredor, e mais,
com que disposição e humor.
O ritmo dos passos, a força com que os
saltos impactavam o chão de madeira, poderia facilmente lhe sinalizar se
haveria um bom dia, se soaria simpático, ou mesmo bom dia nenhum, sequer uma
olhadela.
O som da porta vai-e-vem inundou o
corredor seguido do som agudo dos saltos finos. Os passos miúdos e apressados
denunciaram que trajava um vestido apertado, tomara que fosse aquele vermelho,
pensou – enquanto fixou o olhar no chão brilhante, esperando com certo frisson que
ela surgisse à sua frente. Só não acertou a cor. O vestido de hoje era
estampado, colado ao corpo esguio, num caminhar apressado, de quem chega à
última hora.
Ao passar pelo porteiro, sorriu e
acenou com a cabeça, entrando imediatamente no elevador, ficando de frente para
a porta dupla que se fechava, enquanto ajeitava a roupa, que, aliás, dispensava
qualquer cuidado.
Ainda hipnotizado pela fragrância que
estacionara nas suas narinas, voltou a si com o próximo que ganhara a entrada.
Um pequeno rangido, agudo e curto, como se alguém espetasse uma agulha num
ratinho e este protestasse incontinente. Era somente um sapato que rangia e os
saltos seriam de borracha, pois o andar era silencioso, a não ser pelo ratinho
que insistia em imitar o sapato. Era o contínuo. Sapatos judiados, de quem anda
muito. O dia todo, sem parar. Faltando graxa, cadarços gastos. Quem sabe um
furo na sola – não seria surpresa.
Outros tantos entraram, mantendo-se
inexorável a rotina, que às cinco para o meio-dia invertia o fluxo e todos
saíam para o almoço.
Entretanto, o único que mantinha um
ritmo imutável, assim como a força com que seus saltos imprimiam o assoalho era
o patrão. Sempre o mesmo, como se fosse uma máquina que não permitisse
regulagem. E, idêntico à regularidade do seu andar, o humor era também o mesmo
desde o dia em que o vira pela primeira vez: um sorriso simpático, o bom dia de
poucos tons, a forma de entrar no elevador, colocando as mãos para trás e
olhando para cima, como se conseguisse enxergar através do teto.
Aquele homem lhe imprimia uma certeza,
às vezes incômoda, de que a vida era um roteiro monótono, traduzindo-a em uma
coisa sem graça e repetitiva. Eternamente, como as doze horas do relógio, num
girar infinito dos ponteiros sobre os mesmos doze números. Clac-clac, um,
clac-clac, dois, clac-clac, três, até o doze, para retornar ao um novamente. O
tempo passando, as pessoas passando. E ele ali, sentado atrás de uma pequena
mesa, com os cotovelos apoiados pesadamente sobre ela, parecendo muitas vezes
que fundidos numa só peça, sem inspirar nos passantes um gesto de, pelo menos,
mínima atenção.
E à sua mente recorria sempre a mesma
pergunta: será que fico assim porque é mais fácil ficar ou porque é difícil
mudar?