domingo, 22 de outubro de 2017

As horas

As tantas horas que passara ali, talvez lhe tivessem dado a experiência para saber quem vinha pelo corredor, e mais, com que disposição e humor.
O ritmo dos passos, a força com que os saltos impactavam o chão de madeira, poderia facilmente lhe sinalizar se haveria um bom dia, se soaria simpático, ou mesmo bom dia nenhum, sequer uma olhadela.
O som da porta vai-e-vem inundou o corredor seguido do som agudo dos saltos finos. Os passos miúdos e apressados denunciaram que trajava um vestido apertado, tomara que fosse aquele vermelho, pensou – enquanto fixou o olhar no chão brilhante, esperando com certo frisson que ela surgisse à sua frente. Só não acertou a cor. O vestido de hoje era estampado, colado ao corpo esguio, num caminhar apressado, de quem chega à última hora.
Ao passar pelo porteiro, sorriu e acenou com a cabeça, entrando imediatamente no elevador, ficando de frente para a porta dupla que se fechava, enquanto ajeitava a roupa, que, aliás, dispensava qualquer cuidado.
Ainda hipnotizado pela fragrância que estacionara nas suas narinas, voltou a si com o próximo que ganhara a entrada. Um pequeno rangido, agudo e curto, como se alguém espetasse uma agulha num ratinho e este protestasse incontinente. Era somente um sapato que rangia e os saltos seriam de borracha, pois o andar era silencioso, a não ser pelo ratinho que insistia em imitar o sapato. Era o contínuo. Sapatos judiados, de quem anda muito. O dia todo, sem parar. Faltando graxa, cadarços gastos. Quem sabe um furo na sola – não seria surpresa.
Outros tantos entraram, mantendo-se inexorável a rotina, que às cinco para o meio-dia invertia o fluxo e todos saíam para o almoço.
Entretanto, o único que mantinha um ritmo imutável, assim como a força com que seus saltos imprimiam o assoalho era o patrão. Sempre o mesmo, como se fosse uma máquina que não permitisse regulagem. E, idêntico à regularidade do seu andar, o humor era também o mesmo desde o dia em que o vira pela primeira vez: um sorriso simpático, o bom dia de poucos tons, a forma de entrar no elevador, colocando as mãos para trás e olhando para cima, como se conseguisse enxergar através do teto.
Aquele homem lhe imprimia uma certeza, às vezes incômoda, de que a vida era um roteiro monótono, traduzindo-a em uma coisa sem graça e repetitiva. Eternamente, como as doze horas do relógio, num girar infinito dos ponteiros sobre os mesmos doze números. Clac-clac, um, clac-clac, dois, clac-clac, três, até o doze, para retornar ao um novamente. O tempo passando, as pessoas passando. E ele ali, sentado atrás de uma pequena mesa, com os cotovelos apoiados pesadamente sobre ela, parecendo muitas vezes que fundidos numa só peça, sem inspirar nos passantes um gesto de, pelo menos, mínima atenção.
E à sua mente recorria sempre a mesma pergunta: será que fico assim porque é mais fácil ficar ou porque é difícil mudar?